Sonhos e Gestalt-Terapia
- Rebeca Japiassu
- 5 de jul. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 12 de jul. de 2022
Para a Gestalt Terapia, sonhos são mensagens existenciais, ou seja, eles são como se fosse um pedaço daquela pessoa que está sonhando, sendo projetado em forma de imagens e sons enquanto ela dorme. Eles representam tudo aquilo que, quando estamos acordados, não fazemos muito contato, mas não deixa de ser nosso, porque faz parte do “todo” de nossas vidas. Por isso, trabalhar com sonhos na seção de terapia é uma ótima forma de se conhecer, pois eles sempre revelam algum aspecto ou conteúdo de nossa vida emocional. Alguma parte de nossa personalidade, alienada de nossa consciência, encontrará através dos sonhos um caminho para se tornar consciente. Podemos até mesmo dizer que sonhos são psicoterapias gratuitas, devido a seu grande potencial experiencial para o indivíduo que está sonhando. Isso porque os diferentes materiais emocionais que aparecem nos sonhos são dificilmente acessados na vida real (quando se esta acordado). Logo, eles funcionam como experiências que possibilitam uma viagem para dentro de si mesmo, e com ela, novas descobertas inusitadas. Neles podem aparecer: traumas, modos de ser, desejos, medos, etc., É ótimo também o fato deles serem produções sem censura, desimpedidos de qualquer tipo de julgamento moral que aconteça na vida acordada e consciente. Isso também os torna particularmente preciosos quando são trazidos ao setting terapêutico, pois representam material muito rico para o psicólogo.
Sonhos podem ser comparados a “segredos”, pois são da ordem do “não-dito”, e mesmo aquilo que está no “não-dito” faz barulho dentro de cada um de nós. O que não é dito já é alguma coisa significativa. Ou seja, sonhos também podem representar algo de que precisamos saber, mas que nem sempre há suporte emocional para assimilar. Por isso, a tarefa da terapia tem a ver com resgatar aspectos da pessoa, que a integrará à vida emocional. Isso faz dos sonhos portas perfeitas para essa integração acontecer, por meio de uma conscientização a respeito deles. Vamos a alguns tipos de sonhos muito comuns para cada um de nós, e que podem aparecer também na terapia:
- SONHOS SIMBÓLICOS: São aqueles sonhos “loucos” que parecem incompreensíveis. Este tipo de sonho normalmente vem sem nenhuma censura.
- PESADELOS: São os que representam, em seu conteúdo, alguma ameaça à integridade emocional ou física da pessoa.
- SONHOS “FEIOS”: São sonhos que normalmente possuem tudo o que é socialmente condenável. Por exemplo: sonhar que você está traindo o marido com o cunhado. Tanto esse tipo de sonho, como os “pesadelos”, produzem sentimentos de angústia, medo ou sensações ruins. Então podemos dizer que estes são uma dimensão dentro dos “pesadelos”, pois têm semelhança, apesar de serem diferentes.
- SONHOS REPETITIVOS: Podem ser sonhos que se repetem ou simplesmente têm alguma parte, fragmento ou elemento que sempre acontece. É comum que apareçam relacionados às situações da vida que não estão “fechadas” para nós, pois aquilo que não foi elaborado volta pela via do sonho. É como se o próprio sonho demandasse a elaboração vivida pelo sonhador.
- RESTOS COTIDIANOS: São aqueles sonhos que têm relação com histórias vividas no cotidiano. Ou seja, têm ligação com os enredos da vida emocional e psíquica do sujeito. Por exemplo: alguma preocupação vivida pelo sonhador.
- RESTOS DIURNOS: São sonhos que, em seu conteúdo, aparece algo que está diretamente ligado ao que aconteceu durante o dia.
Na Gestalt Terapia não trabalhamos com a interpretação de sonhos, mas podemos usá-los para acessar vários caminhos. O trabalho do terapeuta é ajudar o cliente a se conscientizar dos elementos que aparecem nos sonhos, olhando para seu conteúdo. Por exemplo, trabalha-se com o que é “óbvio”, com base nos próprios significados atribuídos pela pessoa, este seria um caminho. A presença do terapeuta nesse processo de descobrimento sobre o sonho é o que pode servir de ponto de apoio para que haja uma conscientização (awareness) nova a respeito de si. Existem várias formas de se manejar sonhos terapeuticamente, a fim de aproveitar aquilo que aparece neles. Eles podem se tornar experimentos vivos, pois entendemos que, enquanto sonhamos, estamos também vivendo. Por isso é comum, ao manejarmos terapeuticamente um sonho, a pessoa sair “remexida” emocionalmente, pela vivência e pela experiência. Vamos a alguns manejos terapêuticos possíveis:
- METÁFORA: É o trabalho do sonho como se ele fosse uma metáfora da vida da pessoa. Pede-se que o cliente conte o seu sonho em primeira pessoa, usando o “eu”, no aqui-agora, no momento presente. Também podemos pedir que, ao final de cada parte contada do sonho, ele diga: Essa é a minha vida no final. Por exemplo: Estou aqui, é de manhã, estou em frente ao mar, mas não consigo entrar no mar. Essa é a minha vida no final. É importante que haja um contato real com o que está sendo dito. Por isso, não se deve apenas falar sobre o sonho, mas procurar perceber o que se sente em cada parte experimentada. Essa forma de manejo ajuda a pessoa a estabelecer um contato diferenciado. Normalmente usado com o objetivo que o cliente perceba elementos do sonho que tem profunda ligação com a sua vida real.
- SONHO EM FANTASIA: O terapeuta pede que o cliente conte seu sonho como se ele estivesse acontecendo naquele exato momento, na primeira pessoa também. Falar na primeira pessoa, e no presente (tempo verbal), ajuda no estabelecimento do contato da pessoa com ela mesma. O objetivo é que ela reviva o sonho, deixando um pouco mais de espaço para a experiência. É importante ir acompanhando, prestando atenção aos fenômenos que emergem no momento do experimento. Devemos acreditar na potência do sonho, do aqui-agora e do fenômeno.
- DRAMATIZAÇÃO DO SONHO: Representamos partes do sonho, dialogando com elas. É mais comum que se use esse manejo em terapias grupais, mas também pode ser feito em seções individuas. Por exemplo: pede-se que cada membro do grupo terapêutico seja uma parte, representando, dando voz ao sonho. É um trabalho especial, pois o sonho de um pode se tornar terapêutico para todos os membros. No caso de uma terapia individual, se a pessoa, por exemplo, sonha com o pai o criticando, o terapeuta pode pedir que a pessoa seja esse pai. A partir dessa dramatização, a pessoa entrará em contato com esse pai crítico que existe dentro dela, mas que está alienado na sua vida acordada.
- TRABALHAR MATERIAIS FLEXÍVEIS: Trabalhamos com matérias, como: argila, papel, canetas, etc. O terapeuta sugere que o cliente desenhe, monte, construa, pinte seu sonho ou os elementos e sentimentos que aparecem nele. Depois, o trabalho será feito com base no que emergir dessa experiência. O cliente pode elaborar o que sentiu enquanto estava fazendo aquilo, como foi fazer, se teve algum pensamento, alguma sensação, etc. O terapeuta também pode compartilhar o que está vendo. Este é um bom experimento para quem tem dificuldade de entrar em contato, porque sai daquilo que é puramente verbal e mergulha em outras formas de contato.


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